Caminhos de Encontros

CAMINHOS DE ENCONTROS

Por ter irmãos e primos mais velhos e mais novos aprendi a ter uma mente aberta e a dedicar meu tempo para fazer amizades e cultivá-las. Penso que estas características me ajudaram na escolha da profissão. Poderia também dizer que foi por causa do meu pai. Ele tem a formação de psicologia e um punhado de livros do Jung, que eu, quando pequeno, gostava de folhear, ver as imagens dos símbolos e sonhos. Eu gosto de dizer que escolhi ter a formação em psicologia por dois livros que me marcaram: Batismo de Sangue do frei Beto e o Evangelho Segundo Jesus Cristo do Jose Saramago.

No primeiro dia de aula, já na faculdade, perguntaram-me, porque escolhi fazer psicologia, eu respondi que queria mudar o mundo, lutar contra as desigualdades sociais, proporcionar um mundo melhor para as pessoas que sofreram por questões políticas e sociais. Cheguei a me questionar sobre o curso, já a professora disse “você está no lugar certo”.

Na faculdade o conteúdo das aulas era direcionado para a clínica individual; eu buscava o coletivo, o grupal, congressos de estudantes, fóruns sociais. Entre estágios, foi um marco atuar como acompanhante terapêutico de pessoas com transtornos mentais, na primeira residência inclusiva de Belo Horizonte, uma conquista das lutas antimanicomiais. Conviver com quem estava reaprendendo a reviver após mais de 10 anos institucionalizado foi um dos momentos mais ricos da vida. Estávamos resgatando as famílias, o convívio social, as amizades e a dignidade.

Trabalhar com jovens no sistema socioeducativo em regime de internação foi difícil, porém ver a beleza e sonhos em cada um deles me inspirava. O respeito surgia ao confrontá-los, as ameaças, disputa de poder eram rebatidos nas conversar sobre a esperança, oportunidade e do rompimento da pobreza.

Mas foi em Araçuaí, vale do Jequitinhonha, onde ajudei a implementar a política do sistema único da assistência social que me aproximei para sempre das teorias clássicas da terapia de família e do pensamento sistêmico/novo paradigma da ciência. Esta aproximação veio na prática. Percebi que os atendimentos psicológicos individualizados não eram suficientes nos atendimentos de uma população que vivencia abuso, negligência, opressão, abandono…. Seus problemas eram muito mais amplos que a família, seus sofrimentos, muitos, eram de ordem social e o olhar ampliado para os membros da família, inclusive da família ampliada e das redes sociais de apoio, contribuiu para identificar as pessoas com quem se podia contar. Foi onde reconheci que a força de uma pessoa está no seu coletivo, as habilidades comunitárias estão presentes em tempos difíceis; que a mudança ocorre a partir das conversações transformadoras. Isto aconteceu na comunidade da Barra do Pontal, uma enfermeira uma vez me disse: o que você fez? Ela continuou: toda semana as mulheres me procuravam para pedir remédios e reclamar das doenças, e agora ninguém vem me ver, apenas acenam de longe”. Penso que a comunidade transformou sua forma de relacionar ao co construir e participar do Grupo de Batuque de Itira. Através destes encontros, muitos contaram novas histórias, cantaram sobre suas vivências através da dança do batuque e da contradança. Não me recordo bem a resposta que dei à enfermeira, eu acreditava que ali existiam outras histórias a serem contadas e que poderíamos fazer surgir uma nova história. O vale do Jequitinhonha tem um legado cultural, artístico e musical lindo e transformador, um terreno propício para desconstruir sistemas de opressão e desespero.  Entre esta e outras experiências comunitárias compreendi que mudar as opiniões/premissas sobre os problemas são campos férteis para encontrar soluções comunitárias, familiares e pessoais. Uma riqueza para quem trabalha com os pensamentos sistêmicos. Aqui agradeço às pessoas, amigos e amigas do Vale, com quem fomos criando caminhos juntos.

Por este motivo fiz formação em atendimento sistêmico e rede sociais, com Maria José Esteves de Vasconcellos, Sonia Coelho e Juliana Aun (in memória), a quem também agradeço por me ajudar a trazer o conhecimento científico para as práticas psicossociais comunitárias.

Nunca me afastei do sistema do Conselho de Psicologia, sempre atento à sua evolução, fui também evoluindo, contribuindo com as construções das políticas públicas.

Mudei para o Rio de Janeiro, cidade cosmopolita, me envolvi com as práticas psicológicas socais, faveladas, comunitárias. Mas na Associação Brasileira Terra dos Homens, organização que tem como fundamento metodológico as teorias de família, que por 10 anos tenho contribuído em diversas frentes: a criação da rede nacional pra convivência familiar e comunitária, atuado nas incidências técnica e política para garantir os direitos das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, bem como na luta pela desinstitucionalização. Neste tempo, a fundamentação do pensamento sistêmico serviu de alicerce nas facilitações de oficinas e seminários voltados para profissionais que atuam com famílias em contextos de violência e vulnerabilidade social.

Aos poucos me aproximei da Associação de Terapia de Família – ATF-RJ, pois entendo que a Clínica é um lugar mútuo repleto de aprendizagem e de mudanças. Assim conheci a ATF-RJ um coletivo de terapeutas, que faz história, é um espaço criativo, acolhedor, científico, propagador de esperanças. Atualmente estou estudando as práticas narrativas coletivas e novamente reencontrando uma nova prática que vai contribuir com as políticas públicas sociais. Por caminhos de encontros, vou reinventando e conhecendo novas práticas e teorias.  

Por fim, nos encontros da ATF-RJ percebi que estava diante de profissionais, mestras que implementaram teorias de casais e familiar, e continuam evoluindo através da educação continuada.

Hoje estou alinhado às práticas sociais pós-estruturalistas, paulo freiriana, e me aproximando do tema descolonialismo.

 A ATF-RJ é espaço de reflexão, aprendizado e de amizade.  Convido a quem estiver lendo este relato a se tornar um membro e viver conosco transformações pessoais, clínicas e sociais

Raum Batista

Psicólogo, especialista em atendimento sistêmico de famílias e redes sociais (PUC/MG), gestão de projetos (UERJ) e programa polos cidadania (UFMG). Membro da comissão científica da ATF-RJ, agente da org. Reciclando Mentes, membro do grupo gestor do movimento nacional pró convivência familiar e comunitária, assessor técnico do Instituto Aliança pelo Adolescente, assessor técnico e facilitador do centro de estudos da associação brasileira terra dos homens (ABTH/RJ), Associado titular da ATF-RJ.