Como sou eu terapeuta

Cada início de novo atendimento, o mesmo ritual: me apresento como profissional. Sou Erica Cavour, fonoaudióloga, com Formação em Terapia Familiar Sistêmica pela Núcleo Pesquisas e em Psicologia Formativa® pelo Centro de Psicologia Formativa do Brasil. Explico que como trabalhava com crianças e adolescentes, sempre frequentei os Simpósios de Terapia de Família, pois considerava um melhor prognóstico dos casos em que podia contar com o envolvimento da família. Eu também tinha meu envolvimento familiar, sou filha de uma excelente terapeuta de família, Regina Cavour. Ponto para o pertencimento, desafio de individuação.

Falando nisso, sou a filha mais velha de dois filhos mais velhos. Obediente, responsável, atenta aos pais e aos irmãos. Experiencio um sentimento de ser um elo entre gerações. Considero que refinei essa sensação como um talento que me permite ser ponte entre pais e filhos. Dos meus pais herdei disciplina e contenção, afetividade e criatividade. Uso do meu jeito, com gratidão, sendo firme e gentil quando preciso favorecer a formação de fronteiras entre pais e filhos.

Voltando ao início de um novo caso, estabeleço um set terapêutico no qual me sinto segura e livre. Na verdade, onde quer que eu trabalhe, seja na clínica, coordenando grupo, dando aulas ou mesmo palestrando sempre gosto de propor uma atmosfera em que três princípios são ativados: responsabilidade, confiança e gentileza.

Por isso começo falando da minha formação e experiência profissionais. São dessas teorias e visões que surgem também as perguntas, hipóteses e intervenções que vou fazer. Explico que nosso trabalho consiste em dar suporte à ampliação da Responsabilidade – “responsa habilidade”, habilidade de responder, dos clientes. Trabalhamos para ampliar o leque de possíveis respostas que sejam mais funcionais e satisfatórias aos desafios que enfrentam nesse momento do ciclo vital.

E por falar em ciclo vital, esse é um conceito fundamental que norteia meu olhar como terapeuta. Todos nós ao longo da vida desenvolvemos respostas às circunstâncias e aos desafios da vida e das relações.  Nascemos em algum tipo de família e lá temos nossas primeiras aprendizagens, formamos nossa matriz familiar, conceito desenvolvido por Moises Groisman, Monica Lobo e Regina Cavour no livro “Histórias Dramáticas” que eu costumo explicar como o nosso DNA emocional. A partir dela criamos por imitação ou reação nossas primeiras respostas. Muitas vezes mantemos esse funcionamento por mais tempo do que seria bom. Sintomas surgem quando insistimos em padrões antigos que se tornam idiossincráticos em novos tempos. Precisamos de atualização. Uso a metáfora do guarda-roupa: continuamos a usar uma roupa que já não nos cabe mais. Tempo de transição. Pode ser difícil mudar. Terapia é uma forma de gestão da mudança.

Por isso se torna fundamental o segundo princípio, a confiança. Explico então à cada novo cliente ou família, que precisamos de um ambiente seguro, confiável composto de confidencialidade, abertura de coração e um certo otimismo. Eu estou sob sigilo profissional, eles precisam se sentir à vontade para contar sua realidade mais intima e é bom acreditarmos que esse trabalho vai fazer diferença positiva no futuro.

A terapia que prático é enraizada no passado e endereçada ao futuro. Esta é uma influência da Psicologia Formativa® baseada na biologia evolucionária, considera que tudo que é vivo muda de forma para manter a vida, para criar seu futuro como ser vivo. Temos então o processo de desenvolvimento em que a forma do embrião muda para o bebê, o bebê em criança e criança se desenvolve em fases   a puberdade é uma grande transformação, a adolescência um tempo de grandes transições, surge o adulto jovem, o adulto pleno que ama e trabalha, o adulto maduro com sua própria vida interior, o idoso que vive com as consequências da forma com que viveu, com as escolhas que fez ou não para si e, por fim, há a pessoa que envelhece e caminha para morte. São transições de forma pessoais que acontecem dentro das famílias.

Há sempre a presença da matriz familiar, de padrões relacionais e forças vitais individuais que coparticipam da jornada do sujeito em seu processo de diferenciação familiar. Há famílias que favorecem esse processo e há famílias que o dificultam. Há momentos que são mais fluidos e outros mais imbrincados. Há possibilidade de diferenciação com ou contra as famílias, segundo Stirling.   A terapia é um espaço de reconhecer e favorecer o processo de cada um ser mais si mesmo.

A relação mais íntima de cada adulto deve ser consigo mesmo.

Por fim, voltando ao início, o terceiro princípio que forma a atmosfera propícia ao trabalho terapêutico é a gentileza. Digo, sem ser piegas, que na minha clínica gentileza é amor e humor. Amor porque autoconhecimento e conhecimento mútuo, fazem parte da busca por cuidar-se e cuidar do outro de forma mais amorosa. O adulto saudável que se conhece busca providenciar para si o que lhe faz bem. O adulto que é realmente adulto se sente responsável por suas atitudes. 

Podemos falar de atitudes mais amorosas levando em consideração diversos tipos de amor. Eros, Philia (amizade), Ludus (brincadeira, diversão), Pragma (cuidado, construção) e Ágape (o amor ao ser humano). Então em terapia podemos tratar de desejo sexual, passando por cuidados com os filhos, até em relações mais tolerantes e colaborativas.

O humor se torna um instrumento para não tornar pesado o que é difícil.  Ninguém procura um terapeuta para contar-lhe como sua vida está boa. A busca por ajuda vem mediante algum tipo de sofrimento. Sofrimento dramático como a morte de alguém que se ama ou como em crises esperadas do ciclo vital, os dilemas de escolha profissional, por exemplo.  Mas para quem apresenta sintomas ou a família que se vê sem respostas funcionais a seus conflitos o sofrimento está presente, sob os pseudônimos de stress, ansiedade, depressão ou brigas.

O humor, não é sarcasmo ou ironia, mas graça, para trazer leveza no enfrentamento de algo que é difícil. Terapia é um esforço emocional, cognitivo, financeiro. Um investimento no processo de amadurecimento. Ser mais maduro, eu explico no meu livro “Cartas de Amor de Mãe”, é criar respostas mais pessoalizadas como modo de viver. É poder ser artista da sua própria vida, co-criador de sua existência.

É assim que como terapeuta honro minhas raízes e abro minhas asas. Aliando e alinhando pertencimento e individuação no dia a dia de trabalho. Nesse exercício sou grata a ATF-RJ por ser um espaço de pertencimento e refinamento de minha prática individual com propostas que acolhem e difundem diversas linhas de trabalho e temas de estudo.  Promove um senso de comunidade na qual podemos conviver com a diversidade.

Muito obrigada pela atenção. Vou ter alegria de receber suas impressões e comentários para refinar minha forma de trabalhar.

Erica Cavour

Terapeuta familiar sistêmica formada pela Núcleo Pesquisas e Membro do grupo de estudos avançados do Centro de Psicologia Formativa® do Brasil.

2 Replies to “Como sou eu terapeuta”

  1. Erica, seu texto me trouxe um mundo de inspiração a cada linha. Entre a responsabilidade, o humor e generosidade, honrando raízes e abrindo asas. É um texto de quem vive o que escreve. Você traz à luz
    uma visão potente da terapia como gestor de mudança; individuação e pertencimento.
    Bela pessoa, bela terapeuta e bela filha! Muito obrigada por essa inspiração.

  2. Amei seu texto! Pude sentir, nas entrelinhas, a gentileza e o afeto praticados na sua clinica. Obrigada por compartilhar.

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