Gênero e Parentalidade nas famílias hoje: um convite a reflexão

Nos dias atuais, famílias extensas, nucleares, monoparentais, reconstituídas, e muitas outras, convivem em nosso meio social, mas algumas gozam de maior reconhecimento, legitimidade e acesso às políticas públicas que lhes propiciam o exercício de direitos sociais, enquanto outras causam estranhamento e permanecem invisibilizadas, desconsideradas em seus direitos e necessidades. Este é o caso da maioria das famílias homo\trans parentais.

Apesar de nas duas últimas décadas termos assistido a uma maior discussão acadêmica, e da sociedade em geral, sobre temas relacionados ao casamento e a parentalidade entre pessoas do mesmo sexo e entre pessoas transexuais, ainda assim, tais famílias continuam a sofrer cotidianamente com o preconceito, a discriminação, e suas graves consequências.

Diante deste cenário, nós, Terapeutas de Família, temos uma grande responsabilidade nas mãos, precisamos estar muito bem (in)formados através de estudos e pesquisas atualizados para melhor atendermos aqueles que demandem nossos serviços, para nos posicionarmos criticamente frente aos diferentes discursos produzidos sobre essa população e para construirmos conhecimentos que contribuam para a transformação social e consequente diminuição da violência. 

Para um pontapé inicial, convido vocês a se debruçarem sobre algumas questões disparadoras: Do que precisa uma criança para se desenvolver? Quais as características indispensáveis para os adultos que desejam criar filhos saudáveis? Existem particularidades no exercício da parentalidade de homens e mulheres homossexuais? E trans? Estariam estas, caso existam, ligadas às censuras sociais que sofrem em nossa sociedade? De quê forma? Eu me sinto apto a rever minhas próprias crenças e preconceitos ao receber uma família com essas configurações?

A construção de saberes a partir do paradigma pós-moderno nos convida a ir além do discurso biomédico hegemônico que regula e patologiza os corpos, e que determina padrões de normalidade para expressões identitárias e para o exercício da sexualidade. Como terapeutas sistêmicos, informados pelo Construcionismo Social, somos desafiados a abrir mão de “certezas” arraigadas culturalmente, construídas a partir de nosso lugar social e familiar, e a ocupar o lugar do não-saber, oferecendo genuinamente às famílias o protagonismo como especialistas em sua própria história. Isso pode mostrar-se surpreendentemente desafiador quando tocamos na tão naturalizada lógica cisheteronormativa. Para nos tornarmos parceiros na coautoria de novas narrativas para tais famílias precisamos olhar com profundidade para nossas próprias convicções e crenças e problematizá-las. Precisamos, ainda, pensar sempre de forma a contextualizar as dificuldades enfrentadas por essas famílias no cenário social onde ela está inserida, já que sabemos que a opressão sofrida socialmente atravessa constantemente suas histórias.

Mariana Gracindo Trajano

Psicóloga, Terapeuta de Casal e Família, Associada da ATF-RJ, Mestre em Ciências pela Fio-cruz – Dissertação: "Entre a cruz e a espada: Experiências de parentalidade de homens e mulheres trans em contextos cisheteronormativos".

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