Lei Maria da Penha – Lei no.11.340, 22/09/2006

Cassia Zanini entrevista Raum Batista 


Um ponto de vista masculino sobre a violência de gênero
Considero um avanço, uma conquista social a lei Maria da Penha (lei 11.340/06), que está fazendo uma reparação histórica nesta sociedade impregnada de violência praticada por homens contra as mulheres, como constantes são estes atos e por constantes são naturalizados. Ainda precisamos refletir o quanto a lei escrita precisa ser implementada.


Vamos iniciar pela cultura do patriarcado?
Na vivência pelas instituições por onde passei, nos grupos de relações sociais, dos diferentes discursos sobre papel e a identidade masculina, encontro aprendizado da cultura patriarcal, repleta de mecanismos que estimulam a virilidade masculina, do homem ser o reprodutor/provedor. Neste contexto ao homem não é atribuída a condição de “parternar”, de abrir-se à sensibilidade, e quando alguns se fazem participantes lhe é supra valorizado nunca igual as mulheres e paradoxalmente o homem que assume cuidar e viver o papel de pai,  é inferiorizado perante os demais. Nesta vivência convivo cotidianamente com a objetificação da mulher, da hiper sexualização dos corpos, da condição de reprodutora e da normalização do trabalho de cuidar.


Como os homens podem ser protagonistas de uma sociedade sem violência de gênero e familiar? 
O Cuidar enquanto condição da Humanidade, também é de responsabilidade dos homens. Ter espaços em comunidades, nos serviços públicos sociais, nas terapias, para externalizar e compreender coletivamente sobre a identidade social e a cultura do cuidado, é um caminho para repensar uma nova forma de relação social com base no respeito e convivência.  
Recentemente foi incluído nesta legislação medidas protetivas de obrigatoriedade ao agressor o comparecimento a programas específicos de reeducação e acompanhamento por meio de atendimento individual e/ou em grupo, Lei nº 13.984, de 2020. Ao agressor não importa o gênero. Nestes espaços de cumprimento da medida protetiva, algumas ideias podem ser promovidas para incluir os homens como protagonistas de uma sociedade sem violência de gênero e familiar, como por exemplo:  a desnaturalização do binarismo (papéis fixos, rígidos e distintos),  ter espaço seguro para expressar sua sensibilidade e afeto; permitir-se vivenciar a paternidade do cuidado; compreender os privilégios que se tem em uma sociedade hierárquica;  entender as histórias familiares para redefinir relações saudáveis, refletir sobre as influências sociais e as novas formas de atuação com base nas vivências horizontalizadas e participativas, permitindo vivenciar a desconstrução social da violência.


Quais seriam as possibilidades de transformação social a partir de ações preventivas e reparadoras junto aos homens e mulheres (LGBTQI+) para uma nova vivência das relações e gênero e sociais? 
Entendo que podemos criar e aperfeiçoar mecanismos para acolher, escutar e dar fala a externalidade da vivência do silêncio dos homens, que neste modelo social provocam sofrimentos. Como a crença em um futuro idealizado de relacionamento pode provocar diversos sofrimentos silenciados como frustrações, medos, inveja, ciúmes, apego inseguro, injúrias e violência na convivência relacional.
Como incidência política, a mobilização pela implementação da lei Maria da Pena, perpassa por incentivo à participação de todas as pessoas, independente de gênero, mas particularmente os homens, independente de classe social, sexualidade, raça, etnia, profissão, idade, como sujeitos participantes deste processo. 


E os terapeutas de famílias e casais?
Os terapeutas de família e casais são fatores de mobilização para transformações sociais durante os seus processos de entender as relações familiares e torná-las mais saudáveis.  Confrontados com sinais de violência física, psicológica, moral, sexual e/ou patrimonial deverão estar alertas e implicados em chamar atenção para as relações de poder encontradas nas relações da família nuclear e nas famílias de origem, trabalhando para expandir e flexibilizar padrões familiares nefastos de modo que não se  reproduzam geracionalmente. 

Cassia Zanini

Psicóloga, membro da Comissão de Comunicação da ATF-RJ – gestão 2020-2022

Raum Batista

Psicólogo, membro da Comissão Científica da ATF-RJ – gestão 2020-2022