Formada pela PUC- BH em 1984 tive o prazer de conhecer, após minha formação acadêmica, Carlos Arturo Molina, psiquiatra; o meu primeiro contato com a terapia familiar. Nesta época, já entendia a prática do serviço social como uma profissão investigativa e interventiva, compreendendo e interpretando a família numa análise de totalidade, família e sociedade, e as várias mediações que permeiam esta instituição, tomando-a não como mero objeto de intervenção, mas como sujeito social. Nessa perspectiva, não conseguia ver esse contexto separado das questões emocionais que recaía sobre as constelações familiares. Minha inquietude me levou ao rumo da terapia familiar. Conheci assistentes sociais que eram confundidas com psiquiatras devido ao trabalho clínico na saúde mental. Em 2008, o Conselho Federal de Serviço Social se manifestava
no intuito de coibir as assistentes sociais e afastá-las das práticas terapêuticas, o que denominavam serviço social clínico. Sonia Beatriz Sodré Teixeira, muito contribuiu nos debates, defendendo a prática clínica dos assistentes sociais. No Instituto de Psiquiatria da UFRJ, afirmava que: “os assistentes sociais clínicos têm as suas práticas voltadas para o atendimento de indivíduos, grupos, famílias que, por diversas razões, não tiveram suas necessidades atendidas, sofrem psiquicamente e vivem em situações concretas de exclusão e abandono. São constantemente solicitados para intervirem nos conflitos familiares, nos conflitos comunitários e interpessoais, em situações que envolvem crianças e adolescentes desprotegidos ou desfavorecidos. Também atuam nas questões de dependência química, de abuso sexual, de violência doméstica, nos campos da saúde, da educação, da reabilitação, no campo socio-jurídico, empresas e tantos outros.” Afirma, ainda, que é uma abordagem que privilegia a escuta da demanda imediata, que pressupõe a participação do assistente social de forma reflexiva, mobilizando recursos e condições para que as pessoas se “tornem capazes de exercer a crítica e reivindicar seus direitos sociais.
Somado a essa contribuição, os alicerces da terapia comunitária, o pensamento sistêmico, a teoria da comunicação, a antropologia cultural, a pedagogia de Paulo Freire, os pensadores e estudiosos sobre família (Sarti, Singly, Fonseca, Ariès, Berger, Luckman), a teoria construtivista; construcionismo social – abordagens narrativas, tudo isso, não foi suficiente para o Conselho Federal de Serviço Social abrir mão do processo de reconceitualização e aceitar a prática clínica do assistente social. A luta continuou em prol do reconhecimento e de se fazer justiça aos assistentes sociais especializados nas diversas linhas das abordagens psicoterápicas, pois custa tanto quanto aos demais especialistas de outras origens acadêmicas.
Assim, foi nesta trajetória de discussão sócio-político da prática do serviço social que resolvi me colocar numa relação de pertencimento e diferenciação, atuando nos dois lados da moeda. Trabalho há 35 anos no setor público cuidando das famílias sem me intitular terapeuta familiar. No privado, criei um instituto de família composta por uma equipe interdisciplinar com as mesmas ideias sistêmicas. Tenho em meu corpo clínico psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagos e psicólogos que coordenam juntos a mim, o curso de especialização em terapia familiar. No campo da terapia familiar, me especializei com Moisés Groisman, onde permaneci por 7 anos, passando por todas as formações com foco na criança, adolescente, casal, divórcio e recasamento, família de origem do terapeuta somado a horas de self do terapeuta. No decorrer da formação na Núcleo pesquisa me tornei membro titular da Associação de Terapia Familiar do Rio de janeiro. Moisés foi meu segundo professor. Sempre respeitou minha origem acadêmica, me tratou como doutora em terapia familiar de forma igualitária, me convidou como colaboradora em seu livro Além do Paraíso. Em seus congressos conheci Monica McGoldrik, PegyPapp, assistentes sociais respeitadas no âmbito da saúde mental. Em 1999, conheci Maurício Andolfi, quando deixei meu caçula de 10 meses para participar do segundo Prácticum de família e, mesmo após 20 anos de formação e prática, ainda me submeti a uma pós-graduação Lato Sensu em família, no sentido de assegurar meus atendimentos no privado e justificar minha prática juntos à alguns convênios. Atuei na área de adoção e população de rua o que me incentivou a aceitar o convite de Solange Diuana e Cynthia Ladvocat, na colaboração do livro Guia de Adoção – No Jurídico, no social, no psicológico e na família. Cynthia Ladvocat foi quem me estimulou a participar do Practium na Itália com Maurício Andolfi. Participei de quase todos os congressos organizados pelas associações de terapia familiar do país, desde o primeiro, em Belo Horizonte, onde iniciei minha prática com família. Sem deixar de mencionar, a minha maior alegria, foi conhecer a terapia comunitária e meu professor, o psiquiatra Adalberto Barreto. No campo prático de uma OCA me vi reconhecida na humildade e no significado do acolhimento e o que é, verdadeiramente, ajudar o sofrimento humano. Os conhecimentos acadêmicos e metodologia utilizada na terapia comunitária me remeteu às discussões de 2008, em que meus ouvidos escutavam que eu não poderia atuar como assistente social em práticas terapêuticas. Reencontrei a antropologia humana, a resiliência, a pedagogia de Paulo Freire, a leitura sistêmica. Naquela OCA me senti em casa e certa que não estava ferindo minha ética profissional. Conheci líderes comunitários terapeutas contribuindo na cura emocional, onde o resgate dos valores culturais era um dos fatores mais importante para cura da alma.
Atualmente, continuo minha trajetória em Cabo Frio. No público, concursada há 23 anos, atuo de forma a não abrir mão de minha ética profissional. No privado, atendo, às vezes, as mesmas famílias pobres e excluídas, resultantes das diferenças sociais. Foco nas crianças e adolescentes e seus familiares, o que implica refletir sobre a teia de relações institucionais em que eles estão inseridos.
Assim, me vejo atuando nos dois lados da moeda, facilitando o processo da pessoa atendida em sua individualidade, na condição de sujeito autônomo e na garantia de seus direitos, garantindo os vínculos familiares, os valores culturais; num processo de pertencimento e diferenciação, tanto nas relações com as famílias que atendo, quanto na relação com minha origem acadêmica.
Meu processo de aprendizagem continua se fortalecendo na interface com a ATF- RJ, que durante a pandemia muito contribuiu para o intercâmbio profissional. Em 2021, entre várias propostas, a vice-diretora, Cecília Veluk, criou o programa “Desafios da Clínica” no sentido de ampliar, estudar e refletir sobre novas possibilidades de solução para os impasses clínicos apresentados por terapeutas de família de várias localidades. Junto a cinco terapeutas, com suas diferentes histórias pessoais e formações profissionais entrei numa dança, aceitando o primeiro desafio, escrevendo à cinco mãos, com diferentes histórias pessoais e formações profissionais um texto que terá em breve a culminância na publicação de um livro. O tema central, as bases epistemológicas, os pioneiros da terapia familiar; o processo de crescimento e as ressonâncias dos selfs terapêuticos se interpondo e se justificando a cada encontro, reforçando a importância dos associados participarem das reuniões e se fortalecerem nessa caminhada que desafia e energiza o grupo a cada encontro.
Em respeito à novas experiências, convido todos os terapeutas familiares a associarem sempre, pois a ATF-RJ foi o maior caminho traçado em toda minha trajetória.
Rosimeire A Winter
Terapeuta Familiar
Coordenadora do NAAF- Núcleo de Apoio e atendimento à Família
Cabo Frio - RJ