A adoção de crianças e adolescentes é tema instigante que toca a vida de muitas famílias e é certo que o terapeuta, em algum momento da sua vida profissional, vai atender uma pessoa que foi adotada ou uma família adotiva, mesmo que a adoção não seja sua especialidade. Por isso, é muito importante que os terapeutas estejam informados sobre as peculiaridades da paternidade e da filiação adotivas e sejam capazes de acolher e trabalhar as questões a elas relacionadas trazidas pelos seus clientes, sejam eles casais hetero, homoafetivos ou pessoas solteiras.
Quando a demanda está diretamente relacionada à adoção, as pessoas ou casais, em todas as suas modalidades, buscam a terapia antes mesmo de adotar. Nesse caso, muitas vezes, é necessário ajudá-los a vivenciar o luto pela impossibilidade de gerar o filho e a entender as motivações que os levaram a optar pela paternidade adotiva. É fundamental, em se tratando de casais, que ambos os cônjuges estejam desejando o filho adotivo num projeto construído em conjunto, independentemente de quem tenha recebido o diagnóstico que aponte para a impossibilidade de gerar o filho desejado, se essa for uma questão, de quem tenha sugerido a adoção e das diferenças inerentes à personalidade de cada um e que definem as motivações.
Destaco que a parceria dos cônjuges é necessária em todas as situações que respeitam ao projeto de paternidade, seja pela via biológica, seja pela via da adoção, no caso da impossibilidade da primeira. O entendimento deve ser que é o casal que não pode, naquele momento, gerar o filho desejado por ambos e, assim, evitar que a responsabilidade recaia sobre um deles. Desse modo, evitar-se-á que fiquem dívidas impagáveis na relação, reclamadas tanto por aquele que se sente impedido quanto por aquele que impede a procriação. Estas são condições basilares para que a adoção seja bem-sucedida e suficientemente boa para pais e filho adotivo, nas palavras de Winnicott.
Para os terapeutas que aceitarem tal demanda, acredito que o Genograma seja uma ferramenta muito importante para o atendimento adequado dos pretendentes à adoção. Através dele, pode-se ver com clareza o mapa das famílias em três gerações e extrair dali as crenças, os costumes, os conceitos, os preconceitos e os valores familiares. Será possível saber se existem membros adotivos nas famílias de origem, as vozes que cada um ouve em relação à filiação adotiva, numa sondagem prévia sobre a receptividade e o lugar que a criança pretendida vai ocupar na genealogia familiar.
Isto porque a criança ao ser adotada vai integrar uma grande família: ela será filha, neta, sobrinha, prima, afilhada, amiga dos amigos dos pais, entre outros espaços e papéis que ocupará. É preciso ouvir as vozes das famílias de origem dos pais adotivos a advir e entender o grau de diferenciação desses para tentar auxiliá-los na inserção desse filho não gerado às suas novas famílias e criar um ambiente favorável para seu pertencimento a ela. O lugar dos avós adotivos é muito importante não apenas pelo apoio que prestarão aos seus filhos, mas porque são eles que inscrevem a criança na cadeia das gerações da família.
Não é raro os futuros pais adotivos ouvirem comentários ou críticas tais como: “Cuidado, você não sabe de onde vem essa criança.” ou “Sua vida está tão boa, tão estruturada, para que você vai arrumar sarna para se coçar?” ou “Filho adotivo é problema, você conhece o caso do fulano.” Para que opiniões dessa natureza não interfiram negativamente na construção da filiação adotiva é necessário que o projeto de adoção esteja amadurecido, que os pretendentes estejam bem informados sobre as peculiaridades da adoção sob o ponto de vista emocional, legal e social, convencidos de que querem assumir como seu o filho gerado por outro e tudo que isso implica.
Outro momento importante que motiva a busca pela terapia refere-se à chegada da criança tão desejada à família. Certo é que interferirá na dinâmica pessoal e conjugal até então em equilíbrio, exigindo, assim, inúmeras adaptações e reorganização de uma dinâmica agora familiar. Trata-se do súbito encontro, apesar de desejado, de dois ciclos vitais: o da criança e o da família. Importante considerar a idade da criança, suas vivências anteriores, a rede de apoio e a maturidade dos pais, assim como a disponibilidade da família para acolher tantas demandas.
Em casais recasados, há ainda que considerar que a criança vai ficar no lugar da interseção de várias famílias e, muitas vezes, ter meio-irmão de ambos os lados dos pais adotivos. Como integrar tantas famílias? E o compartilhamento do projeto de adoção será decisivo nesses primeiros momentos da introdução da criança, pois as famílias extensas serão parceiras na recepção e no acolhimento do novo membro, corresponsáveis pelo projeto de adoção.
Contar sobre a adoção para os filhos também promove uma busca considerável pela ajuda terapêutica. Atualmente, os procedimentos de habilitação para adoção previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) visam à preparação dos candidatos a pais e à reflexão sobre inúmeras questões referentes à filiação adotiva. Assim, os futuros pais participam obrigatoriamente das reuniões de Grupos de Apoio à Adoção, das entrevistas com assistentes sociais e psicólogos. Nelas são orientados que a criança deve saber da sua origem adotiva desde sempre, mas, ainda assim, muitos pais têm dificuldades para falar aos seus filhos sobre a adoção. Tal dificuldade é dos pais, pois os filhos tratariam com naturalidade sua condição de adotados se os pais assim a tivessem abordado. Sem intenção de mentir, muitos postergam ou temem contar para os filhos sobre sua origem e acabam por criar barreiras e segredos prejudiciais à constituição da identidade de seus filhos.
Entendo que os segredos duradouros envenenam as relações da família. Pais e filhos permanecem enclausurados sob a aura do não-dito e formam um pacto de silêncio: “Eu não pergunto para não trazer sofrimento para os meus pais e meus pais não me contam porque acham que vou sofrer se souber.”.
Assim, os segredos dividem a família entre aqueles que sabem e aqueles que desconhecem a realidade dos fatos, e a comunicação da família fica prejudicada. Um aspecto importante do segredo é a suposição de que se há algo sobre mim que eu não posso saber, isto deve ser ruim, especialmente porque a criança, a seu modo e condição, sempre sabe da sua condição de adotiva. Ainda mais que falar a verdade é condição si ne qua non para uma relação de confiança entre pais e filhos, necessária para a construção do vínculo e da relação paterno-filial.
Há também uma retroalimentação em torno do segredo e o preconceito que o mantém. Se, quando há um segredo, coexiste a justificativa de que é para proteger o filho do preconceito da adoção, deve-se sempre perguntar: quem está sendo protegido? por quem? do quê? e para que? Será que não seria a própria manutenção do segredo, de certa forma, que promove o preconceito? Ou a adoção carrega o estigma de uma filiação de segunda categoria para os pais?
Os filhos adotivos que buscaram suas famílias biológicas relataram, para além da curiosidade, a necessidade de conhecer sua origem. É comum encontrar filhos que têm medo de magoar os pais adotivos com perguntas ou com a manifestação do desejo de buscar a família de origem, pois, via de regra, encontram-se em um conflito de lealdade. Assim como é comum encontrar pais que receiam a busca pela família de origem por suporem que os filhos os abandonarão.
Os pais biológicos, por sua vez, raramente têm suas vozes ouvidas e dificilmente buscam pelos filhos. Pode-se perceber, pelo discurso das mães biológicas, a maioria nos processos de adoção, que se sentem envergonhadas pela situação que culminou na adoção, temem atrapalhar a vida do filho e acreditam que é melhor esquecer esse passado doloroso e seguir em frente.
Impossível abordar nesse breve texto todos os aspectos envolvidos na paternidade e na filiação adotiva nas diferentes configurações familiares. Mas quero, para finalizar, ressaltar que a adoção tem estado em destaque na mídia, o que, por sua vez, tem contribuído para colocar o tema em pauta e promover o esclarecimento do público em geral sobre seus aspectos legais, psicológicos e sociais. Desse modo, rompe com preconceitos e possibilita que o desejo de ser pai e ser mãe até então mantido em silêncio possa ser manifestado na busca pela adoção legal. É um movimento de mão dupla, pois do outro lado existem crianças e adolescentes em busca de uma família, e este é o objetivo precípuo da adoção.

Solange Diuana
Psicóloga, Terapeuta de Família, Perita Judicial, coordenadora do Grupo de Apoio Café com Adoção, associada da ATF-RJ
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