Considerando minha história pessoal, eu poderia compartilhar trechos do meu acervo biográfico, que poderiam, espero, tornar essa leitura como um retrato curioso sobre mim mesma. Nasci de um casamento de muita paixão, mas tive que enfrentar o preconceito da separação na década de 60. Aprendi a conviver com o segundo casamento de meus pais e seus novos relacionamentos. Sou bastante vinculada aos meus quatro irmãos e 10 sobrinhos. Desde cedo entrei em contato com a força das relações, com a redefinição de sentimentos e possibilidades de reparação. As ressonâncias sobre minha família de origem embasam minhas hipóteses e crenças de que por trás dos desafetos manifestos, podemos identificar os verdadeiros afetos latentes. Sempre tentei entender nas biografias de personagens ilustres o sentido da vida e as razões da felicidade. E por isso busquei ter uma juventude muito criativa e intensa. Eu dancei ballet e jazz, participei de peças de teatro, toquei piano e violão, fiz parte de grupos musicais, cantei em festivais estudantis e trabalhei como modelo fotográfico em revistas de moda e em Londres.
Na universidade, a psicologia mudou minha vida e fiz amizades para a vida toda. Fiz muitas terapias. Na análise da minha história familiar, identifiquei nas gerações passadas escolhas amorosas transculturais, padrão que repeti no meu casamento com um português, cuja história foi publicada no livro “101 Contos de Amor”. Com Pedro Manuel tive dois filhos, Diogo e Joana, que me tornaram avó de três netos: Pedro, Martin e Caetana. Moro e tenho consultório no Leblon, bairro desde minha infância. Estar com amigos e em família sempre foi prioridade na minha vida. Em quase todos os finais de semana, meu paraíso é no Brejal, na minha casa de campo na serra de Petrópolis. Sou a guardiã de fotos e álbuns familiares, de tempos em tempos, a grande família Ladvocat se reúne para matar as saudades e atualizar o genograma, recurso que todos aprenderam a construir. Pelo prazer de receber amigos, junto com minha amiga e vizinha Cecília Baptista, reunimos várias vezes as equipes da ATF-RJ no Brejal para confraternização e organização dos nossos eventos.
Considerando minha história profissional, percebo meu interesse pelo campo da familia desde sempre. Já em 1976 como recém-formada, acreditava que os pais deveriam ser envolvidos no tratamento dos filhos. Em 1981, fundei junto com amigas, o GRUPSI – Terapêutica e Estudo da Criança e da Família com estágio para estudantes de psicologia, com estudo e supervisão dos atendimentos com atenção na dinâmica familiar. Nessa época, o referencial nos cursos de extensão era o psicodinâmico e a psicanálise. Eu buscava abordagens que incluíssem o sujeito no seu contexto, então em 1982, iniciei uma formação na Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo, que me introduziu no estudo da psicanálise aplicada aos grupos operativos e familiares. Finalmente em 1984 iniciei minha formação no Cefac, o primeiro instituto de terapia familiar privado no Rio de Janeiro, que contava com a supervisão anual de Maurizio Andolfi. Essa turma, que hoje muitos são associados da ATF-RJ, concluiu a formação de 800 horas.
A partir de 1986, passei a coordenar grupos de supervisão com enfoque no atendimento individual e familiar, sempre atenta no impacto do atendimento na pessoa do terapeuta. Em 1987, iniciei na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, uma longa formação psicanalítica, com seminários, supervisão e análise pessoal, que contribuiu para o estudo sobre o inconsciente, dos fenômenos da mente e do mundo interno. Essa formação incluía um estágio no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, onde eu pesquisava a doença mental através do genograma dos pacientes psiquiátricos. Donald Winnicott desenvolveu suas teorias com as quais me identifico como psicanalítica, e é o autor mais citado pelos pioneiros nas origens do campo da terapia familiar. Hoje, sou atuante como docente e didata vinculada a International Psychoanalytical Association, IPA. E na sede da SPRJ, divulguei a área de família aos membros psicanalistas nas supervisões, grupos de estudo e jornadas, bem como levei vários eventos da ATF-RJ para seu auditório.
Participei por um tempo como colaboradora nas supervisões dos atendimentos das famílias familiar no COJ do Instituto Fernandes Figueira. Em 1993, uma colega da SPRJ, hoje ATF-RJ, me convidou para fundar o Instituto Mosaico, também sede da ATF-RJ e da ABRATEF, onde tive consultório até 2010 na formação em terapia familiar. Para contemplar meus estudos sobre todas as faixas do ciclo vital, iniciei na Universidade Federal Fluminense a Especialização em Gerontologia e Geriatria Interdisciplinar, e passei a conviver com pacientes com demência e seus cuidadores e também a ministrar seminários sobre o idoso e sua família.
Em 1995 procurei Andolfi para vivenciar o Practicum durante três semanas em Roma na Accademia di Psicoterapia della Famiglia sobre o SELF do terapeuta, visando um trabalho sobre a minha família de origem. Nesse ano, estava junto da fundação da ATF-RJ por já atuantes terapeutas familiares. Em 1996 conheci Mony Elkaïm, que me indicou como membro da European Family Therapy Association. E na Assembléia da EFTA em Londres, fiz uma palestra sobre a formação em terapia familiar no Brasil durante o encontro sobre a vivência nos cursos sobre a família de origem do terapeuta. Passei a coordenar vários grupos de Self do Terapeuta em vários institutos. Levei, nos anos 1998 e 1999 grupos para Roma com Andolfi e com Carmine Saccu. Organizei também grupos com Boscolo em Milano e Bernard em Firenze.
A partir de 1997, fiz parte da equipe da Terra dos Homens e nessa sede instalei meu consultório. Fui supervisora das equipes com foco nas ressonâncias que afetavam os profissionais no trabalho com famílias. Organizei a primeira turma do curso de Trabalho Social com Famílias. Essa ONG tinha a consultoria de Guy Ausloos, que enfatiza a competência da família, cujo livro participei como revisora técnica, e que salienta a importância do conforto do terapeuta. Hoje minha atuação é somente como membro do conselho. No ano 2000 fui eleita presidente da ATF-RJ, cuja sede levei para a Terra dos Homens. No final dessa gestão, não havia chapa candidata para 2002. Na assembleia, os colegas participaram da composição de uma nova diretoria e me reelegeram como presidente. O Instituto Mosaico sediou a ATF-RJ por mais dois anos e depois a ABRATEF quando fui presidente.
Dentre os autores que contribuíram para meu self profissional incluo aqueles com quem pude conviver e até construir uma amizade, em ordem cronológica, cito: Maurizio Andolfi, Mony Elkaim, Carmine Saccu, Paolo Bucci, Guy Ausloos, Vanna Puviani e mais recentemente Tereza Arcelloni e Umberta Telfener. Todos eles confirmam meus estudos, minhas teorias internas e tudo que vivenciei na minha trajetória como terapeuta familiar e como formadora. Portanto saliento a valorização da diferenciação do SELF e o desenvolvimento das capacidades pessoais do terapeuta com o trabalho sobre a sua família de origem.
Nessa retrospectiva, tenho orgulho de ter acompanhado de perto o movimento da terapia familiar no Rio de Janeiro desde a década de 80. Eu me considero uma terapeuta de família pioneira de segunda geração, pois fui formada por pioneiros brasileiros e internacionais da primeira geração do campo da terapia familiar. Desde a fundação da ATF-RJ, estive junto em diversas funções em todas as diretorias e na organização dos nossos três congressos em São Conrado, em Búzios, na Barra. Nesse último em 2018, Andolfi me estimulou a levar novamente colegas a Roma, cujo grupo somou 100 brasileiros. O próximo grupo a Roma está adiado para 2023. Na ATF-RJ me sinto em casa e retribuo esse carinho com meu trabalho, com a doação do meu tempo nesses 28 anos como associada e inclusive como conselheira no CDC da ABRATEF.
Eu concluo meu depoimento, expressando o amoroso sentimento de pertencimento da família ATF-RJ, que sempre resgata e valoriza os veteranos, bem como estimula a contribuição dos novos associados. E nesse ano 2022 a ATF-RJ está grande e é maior que a soma do investimento de todos os seus associados e continua a buscar novos desafios para manter seu reconhecimento como uma importante Regional da rede da ABRATEF.
Cynthia Ladvocat
Psicanalista, terapeuta de casal e família, Mestrado em Psicologia na área de família, Diretora adjunta da ATFRJ.